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  • quarta-feira, 12 de setembro de 2018

    A Psicologia dos X-Men | Parte 2 - Mutante e com orgulho!

    MÍSTICA E A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA


    O filme X-Men: First Class, em sua tradução para o português, X-Men: Primeira Classe, é um filme de ação e ficção científica que traz em seu enredo diversos personagens que carregam em suas bagagens histórias de vida altamente provocantes para qualquer um que se diga apaixonado pela psicologia. Um grupo de jovens que não conseguem se achar no mundo, deslocados em seu próprio eixo, perdidos em meio às próprias necessidade enquanto pessoas e neste caso, também enquanto mutantes, caraterística esta que diferencia tais jovens dos demais.

    Raven Darkhölme, a Mística, tem inseguranças e questionamentos e quando olhamos pelo olhar do Professor Charles Xavier, vemos um homem que carrega em si uma vontade intrínseca de acolher seus semelhantes. Assim como fez com Raven, ele quer que todos os mutantes tenham o direito a algo muito básico: a educação - para que assim possam aprender a conviver, adaptar-se juntamente com suas necessidades e se sentirem incluídos em algo maior, a sociedade.

    Tudo que aqui já foi citado está diretamente ligado com diversas teorias que a psicologia embarga, mas neste momento voltaremos para apenas uma delas, dentro do campo da psicogenética: a teoria da pessoa completa de Henri Wallon, o que nos permite fazer uma análise de aspectos do desenvolvimento da comunicação humana e as influências do meio social para o desenvolvimento humano, da busca de Raven pelo próprio eu.

    Assim como o Charles Xavier, Henri Wallon buscou relacionar seus estudos sobre a evolução da criança com a educação. Em sua visão política, Wallon também acreditava que para auxiliar o desenvolvimento do ser, é necessário que haja uma sociedade que garanta possibilidades para este desenvolvimento e formação. O sujeito irá, então, se construir por meio de suas relações com o meio, em todo o seu contexto social, familiar e cultural. Logo no início do filme, podemos ver esta necessidade inata para a construção do eu. Quando Raven, ainda criança, é pega por Charles roubando sua geladeira e ela o questiona, quando o mesmo pede para que ela se revele como, de fato, é. Raven diz: “ - Você não tem medo de mim?” E ele, feliz, responde: “ - Sempre acreditei que eu não era o único. A única pessoa que fosse diferente.”

    Nesta cena, vemos a alegria em Charles por não estar só enquanto mutante e a felicidade de Raven por se sentir parte de algo. O meio agora familiar é também parte desta construção e importante em toda a formação do sujeito. Em outro momento, Raven encontra um outro mutante, Hank, que tem sua mutação visível em seu corpo e logo ela se encanta. Por ele, ela sente empatia e o compreende. De modo que se confirma a ideia walloniana de que o desenvolvimento do ser humano está ligado à necessidade de se enxergar no outro.

    Raven mostra ao longo da trama, que sim, somos dependentes do outro para nossa própria construção. Quando Erik encontra Raven em uma sala de musculação e diz que ela se concentra muito em manter a sua aparência de “humana” e que isso acaba prejudicando ela em batalha e então alega que se ela quer mesmo ser aceita pelo mundo, deve, antes de tudo, se aceitar. Até então, Raven vivia com medo de assumir quem, de fato, era, mas tudo mudou depois deste diálogo, inclusive o seu autoconceito, algo que ela não teria conseguido enxergar sozinha.

    AUTOCONCEITO E ACEITAÇÃO


    A partir da introspecção, de um olhar para dentro, Raven Darkhölme, a Mística (uma mutante com poderes transmorfos que a torna hábil a assumir a forma física de qualquer pessoa ou animal) criou autoesquemas e autoconceitos formados a partir da percepção que ela tinha de si própria e daqueles que estavam ao seu redor, o que fazia com que ela sempre se comparava com quem estava à sua volta, principalmente no tocante à aparência física visto que ela em sua forma natural possui uma pele azul, o que lhe deixava com baixa autoestima durante o início do filme, mas que torna-se motivo de orgulho no final.

    Raven leva consigo todo o sofrimento e angústia daqueles que precisam tentar a todo momento negar sua verdadeira origem e o seu verdadeiro eu para achar uma chance de se parecer, um pouquinho que seja com aquilo que a sociedade espera dela, tendo em si a necessidade de ser aceita e sofre com os estereótipos e preconceitos, fazendo de tudo para conseguir essa aprovação social.

    Você quer que a sociedade te aceite, mas você não se aceita.


    CAMPOS FUNCIONAIS DE WALLON


    Neste momento, precisamos trazer para nossa discussão algo que se faz presente como uma característica muito forte da personagem: a afetividade. A emoção tem um papel fundamental na teoria walloniana e a vemos interagir em todos os momentos da trama nas escolhas e falas de Raven. Por exemplo, quando ela atrapalha a paquera de Charles Xavier no bar, em uma cena no início do filme, ela age pela emoção, na tentativa de afetar Charles por ter uma necessidade de garantir atenção, um comportamento bastante estudado por Wallon.

    Mas para se falar em afetividade é importante falar também dos campos funcionais que Wallon delimitou em sua teoria ao criar o sistema de estágios de desenvolvimento. Aqui, encontramos um processo assistemático e contínuo onde ocorre a oscilação entre afetividade e inteligência e, assim como a realidade da vida mutante, Wallon alega que o desenvolvimento humano se dá em um meio contraditório e cheio de conflitos que se transforma juntamente com o indivíduo.

    Na personagem de Raven, podemos observar todos os estágios presente. Ainda que fora de seus tempos, eles se encontram dinamicamente alternados em uma velocidade altíssima dentro da personagem. A presença de estímulos sensíveis com comportamentos sugestivos ao ciúmes, vergonha e simpatia são vistos em Raven. Em uma cena, Hank diz que nunca viu nada igual ao material genético de Raven e que quando ela tiver quarentas anos, ainda aparentará ter vinte. Podemos ser ousados em sugerir que, talvez, seu desenvolvimento psíquico tenha se dado tão lentamente quanto seu desenvolvimento biológico, o que talvez assim explique o fato de já adulta estar passando por uma situação bastante semelhante ao que Wallon chamou de crise da puberdade.
    É justamente no momento que antecede tal estágio que o personalismo se faz presente. Características pré-definidas por Wallon surgem nas atitudes de Raven: oposição, sedução e imitação e após vermos todas estas atitudes na personagem, vemos também a sua crise, o seu processo de autoafirmação, seu desenvolvimento com seus conflitos internos e externos e a exploração de si mesma, inclusive a sexual.

    A PESSOA COMPLETA: MUTANTE E COM ORGULHO!


    No final do filme, Raven se mostra extremamente diferente da garota que era no começo do filme. Não mais insegura, ela se encontra certa de que não precisa de mais nada, de que é completa exatamente como é: azul. E quando Hank aparece transformado como Fera, terminando suas falas no longa-metragem com a seguinte afirmação a Hank (aqui, o seu semelhante): “ – Fera, nunca se esqueça: mutante e com orgulho!”

    Sua existência agora fazia sentido. Foi preciso que o outro lhe fizesse sentir parte de um meio, para que ela então se realizasse enquanto pessoa e se sentisse completa. Com isso, o eu que está em mim não apaga o eu que está em você. Juntos somos capazes de evoluir para algo que nenhum de nós conseguirá sozinho, e apenas juntos, jamais separados, somos capazes de revolucionar e somente assim, amar.


    Equipe e referências disponíveis aqui.
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    Texto escrito por estudantes de Psicologia e alunos de outros cursos da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) durante o semestre 2018.1 de modo a integrar diversas disciplinas, alunos de outros períodos e a turma como um todo. O resultado de tudo isso é o nosso Nó Górdio! Obrigado pela leitura! =]

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