Você conhece Warwick Davis, ator que interpreta o personagem Flitwick em alguns filmes da série de filmes Harry potter? E o ator que faz o personagem Tyrion Lannister na série Game of Thrones, Peter Dinklage? Ambos nasceram com um tipo de nanismo denominado acondroplasia. Considerando o sucesso de ambos se nota que, obviamente, trata-se de uma doença que não afeta a cognição, mas sim a estatura.
Ator de Harry Potter, Warwick Davis
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Ator de Game of Thrones, Peter Dinklage
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O distúrbio ocorre em aproximadamente um
em cada 25.000 nascimentos (no Brasil a incidência é de aproximadamente 15.000
casos por ano) e é tão comum em homens como em mulheres. Pessoas com
acondroplasia possuem um tronco de tamanho normal, mas seus membros são curtos.
Além disso apresentam uma face muito característica com a fronte proeminente e
aumento da circunferência da cabeça, problemas posturais (hiperlordose lombar),
limitação da movimentação do cotovelo e hipermobilidade de outras articulações,
como joelhos e quadril. Segundo Warwick: “Conforme envelhece, você pode sofrer
muitas dores no quadril. Além disso, nossas articulações desgastam muito mais
rápido do que as pessoas de estatura média”.
A acondroplasia é um distúrbio autossômico
dominante causado por uma mutação no gene relacionado com o crescimento dos
ossos (FGFR3). As mutações são de ganho de função que causam ativação do
FGR3 independente do ligante. Essa ativação inibe inadequadamente a
proliferação de condrócitos na placa de crescimento e, consequentemente, leva
ao encurtamento dos ossos longos, bem como a diferenciação dos outros ossos.
Essa doença pode acontecer isoladamente na
família ou pode ser passada de pais para filhos. Apesar de serem dominantes –
genes que determinam uma determinada característica mesmo quando em dose única
– A proporção observada nesse caso – assim como em outras doenças causadas por
genes letais – é de 2:1. Isso porque quando em homozigose –
quando o indivíduo gerado carrega o alelo para a doença tanto da mãe como do
pai –, ele não sobrevive. Isto é, todos homozigotos dominantes são
incompatíveis com a vida, portanto, os indivíduos vivos que vemos com
acondroplasia são obrigatoriamente heterozigotos, carregando consigo um alelo
dominante para a doença e outro recessivo.
Representação do cruzamento de pessoas portadoras
do gene para acondroplasia e a evidência da letalidade de indivíduo com
homozigose para a doença. Fonte: Traduzido de LittlePeopleUK.
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Em mais de 80% dos casos, Acondroplasia
não é herdada, esses casos são causados por mutações espontâneas no gene FGFR3.
Cerca de 20% dos casos são hereditários, e, por possuir caráter autossômico
dominante, apenas um dos pais precisa passar um gene FGFR3 defeituoso para que
uma criança tenha Acondroplasia.
Se um dos pais tem a condição, a criança
tem uma chance de 50% de desenvolver. Se ambos os pais têm a Acondroplasia, a
criança tem. 25% da estatura normal, uma chance de 50% de ter um gene
defeituoso, causando Acondroplasia, e uma possibilidade de 25% de herdar dois
genes defeituosos. Como dito anteriormente, crianças com esta condição são
geralmente natimortas ou morrem dentro de poucos meses de nascimento. Quando os
pais não possuem a doença e o filho possui esse tipo de nanismo é porque o gene
relacionado ao crescimento dos ossos sofreu mutação enquanto ele foi gerado.
Peter Dinklage é um exemplo desses!
As características da acondroplasia podem
ser suspeitadas já no exame de ultrassonografia pré-natal, logo a partir do 6º
mês de gestação, pois há uma redução do tamanho do feto de encurtamento ósseo.
Após o nascimento o médico pode diagnosticar observando suas características
além de pedir raios x para medir o comprimento dos ossos do bebê. Isso pode ajudar
a confirmar o diagnóstico. Exames de sangue também pode ser solicitados para
análise do gene FGFR3.
Apesar da inteligência do indivíduo ser
normal, as complicações do sistema nervoso central são as maiores preocupações
a ter em conta nas crianças com acondroplasia. Nestas crianças, há um risco
acrescido de compressão do tronco cerebral e da medula espinhal. Esta
compressão pode provocar apneias (interrupção da respiração), atraso de
desenvolvimento ou morte súbita. Pode também estar associada a hidrocefalia
(acumulação de líquido nas cavidades cerebrais). O canal medular inferior
também é mais estreito podendo levar à compressão da medula e das raízes
nervosas.
Os aspectos essenciais a serem mencionados
durante o aconselhamento genético incluem: a estatura média de um adulto com
acondroplasia (110-145cm), o risco de hidrocefalia precoce e de compressão
medular. O aconselhamento genético deve ser optimista relativamente à
inteligência que está dentro dos parâmetros normais, à esperança de vida que é
normal e também às extraordinárias capacidades de adaptação.
Não existe nenhum tratamento que cure a
Acondroplasia, porém alguns tratamentos como Fisioterapia para correção da
postura e fortalecimento dos músculos, realização regular de atividade física e
acompanhamento para integração social, podem ser indicados pelo ortopedista
para melhorar a qualidade de vida. Têm-se também o uso de hormônio de
crescimento (GH; ou somatotropina) para o tratamento da baixa estatura na
acondroplasia traz efeitos modestos: acelera o crescimento na infância, mas os
ganhos são bem menos intensos posteriormente.
A fisioterapia pode melhorar a qualidade
de vida do indivíduo e ajudar a tratar a hipotonia, a estimular o
desenvolvimento psicomotor, diminuir a dor e o desconforto causados pelas
deformidades características da doença e ajudar o indivíduo a fazer
corretamente as suas atividades diárias, sem que exista a necessidade da ajuda
de outras pessoas. O diagnóstico precoce e o seguimento clínico
multiprofissional são as chaves para a prevenção das complicações da
acondroplasia.
Tendo em vista a limitação motora do
indivíduo com acondroplasia, realizamos uma enquete pela plataforma de
formulários do Google para saber a opinião das pessoas acerca do
desenvolvimento psicogenético da criança ou adolescente acondroplásico. A
enquete consistia em quatro afirmações sobre o tema, embasado na teoria
psicogenética de Henri Wallon, e os participantes deveriam responder se
concordavam, discordavam ou não concordava nem discordava.
"O espaço não é primitivamente uma ordem entre as coisas, é antes uma qualidade das coisas em relação a nós próprios, e nessa relação é grande o papel da afetividade, da pertença, do aproximar ou do evitar, da proximidade ou do afastamento."
Henri Wallon no livro Do Ato ao Pensamento
Ao questionarmos se a afetividade da parte
dos pais seria importante para o desenvolvimento da criança com acondroplasia,
88,1% concordaram, 4,5% discordaram e 7,5% não se posicionaram. Entretanto,
podemos ampliar essa afirmação para o desenvolvimento de toda e qualquer
criança com toda e qualquer afetividade advinda tanto de pais quanto de
educadores. Segundo Henri Paul Hyacinthe Wallon, em todos os estágios é
observada a necessidade da presença afetiva no ensino-aprendizagem. Wallon
(1975) defende que o processo de evolução requer tanto a capacidade biológica
do sujeito quanto o ambiente, que o afeta de alguma forma. Levando isso em
conta no caso da criança com acondroplasia, ela nasce com a capacidade
biológica de desempenhar tarefas comuns, mas se o ambiente (pais,
educadores...) não estimula essa capacidade, a criança terá uma dificuldade
mais acentuada para se desenvolver comparada a outras crianças.
No 1º estágio o recurso para aprender é a
fusão com os outros, o processo de ensino-aprendizagem requere nesse estágio o
contato físico e pessoal com o cuidador. No 2º estágio, a parte afetiva deve
ser vista no comportamento do cuidador ao promover situações, possibilidades de
participação da criança de forma a não isolá-la mas integrá-la e ao estar
disponível para responder todas as indagações que aparecem nesse estágio. No
3º, é importante que o educador exponha possibilidades de escolhas a criança,
mostrando que ela pode escolher independente de sua condição. Esse estágio é marcado
pela oposição aos outros como forma de se diferenciar e por isso é importante o
tipo de afetividade que favorece oportunidades de convivência entre crianças de
diferentes idades e também, aceita o comportamento de negação reconhecendo como
sendo parte do processo de desenvolvimento. 4º estágio, as capacidades de
mémoria e atenção voluntária e seletiva se desenvolvem. 5º estágio que é
marcado pela adolescência, a oposição novamente se faz presente e é importante
a permissão por parte do cuidador, permitir a expressão dessas diferenças e
discuti-las.
Colocamos no mesmo questionário, a
afirmação "A inteligência não é afetada e muitos acondroblásicos são, na
verdade, dotados de inteligência acima da média". (HECHT JT,
1990;5:84-97.) obtivemos que 50,7% não se posicionaram, 34,3% concordaram e
14,9% discordaram. Essa afirmação é fruto de duas pesquisas feitas sobre
neurologia ligada à condição de acondroplasia. O estudo conclui que mesmo que
haja hidrocefalia em alguns casos, não existe o prejuízo mental e foi observado
que em alguns casos os acondroblásicos demonstraram uma inteligência superior.
Logo, o processo de desenvolvimento dessas crianças é como o de outras
crianças, com exceção do desenvolvimento motor que pode ser atrasado, seguindo
juntamente o embasamento teórico de Wallon que pode ser aplicado também ao
acondroblásicos.
62,7% dos participantes da pesquisa
concordaram com o enunciado que dizia que a criança acondroplásica possui
desenvolvimento motor em um tempo diferente das crianças sem a síndrome. De
fato, geralmente a criança com esse quadro sindrômico tem um certo “atraso”,
como já foi mencionado anteriormente, pois seus ossos possuem um crescimento
anormal, dificultando sua mobilidade.
Entrevistamos uma mãe cuja filha de 2 anos
e 6 meses tem o quadro de acondroplasia. Usaremos nomes fictícios para
preservar a identidade da família. Nesse caso, além do curto tamanho dos
membros, a Nina possuía uma compressão na medula dificultando mais ainda a
mobilidade, por exemplo, ela não conseguia sustentar a cabeça, segundo o
depoimento da Marina “a minha filha era toda molinha”. Os profissionais que
acompanhavam o caso indicaram a cirurgia para correção do problema, foi um
sucesso, com quinze dias e ainda com os pontos, o tônus muscular melhorou e a criança
já conseguia sustentar a cabeça e ficar de bruço. A criança passou a fazer
acompanhamento fisioterapêutico.
Marina também relatou a dificuldade em
deglutir e que a Nina passou por tratamento com fonoaudiólogo, somente por
volta dos 8 meses a criança começou se alimentar com alimentos sólidos,
normalmente seria em meados do 6º mês. Foi nessa mesma fase que ela já
sustentava a cabeça, também sentava com apoio, no 9º mês ela começou sentar sem
apoio e apenas com 11 meses ficou de pé pela primeira vez apoiando-se em
objetos.
A mãe da Nina declarou que sua filha não
teve os marcos de desenvolvimento motor no tempo normal, entretanto, isso não
nos dá base para afirmar que indivíduo acondroplásico tenha fases de
desenvolvimento não correspondentes à teoria de Wallon. No estágio
impulsivo-emocional, por exemplo, a criança desenvolverá normalmente a
afetividade, terá somente certa resistência à um maior desempenho motor por
conta da sua limitação do corpo, mas é perceptível a tentativa em caminhar,
agarrar os objetos, assim como em outras crianças da mesma idade.
A adolescência é uma retomada da
descoberta de si, de uma forma mais autônoma, também se caracteriza pela busca
da autoafirmação e socialização, adequar-se à um conjunto de comportamentos,
tipos de vestimentas são modos de não ser excluído. O adolescente com
acondroplasia antes de qualquer coisa enfrenta a barreira do preconceito.
Neste estágio, cuja predominância é o
desenvolvimento afetivo, o adolescente acondroplásico já inicia com certa
defasagem. Esse é o momento em que eles querem ser levados à sério, ser
construtores da própria história, mas a adolescência também pode ser uma fase
de perversidade com esse “diferente”. Vítima do estigma que anão deve trabalhar
no circo ou ser humorista, o adolescente acometido pela mutação gênica está
sujeito a ter dificuldade de criar vínculos afetivos fora do ambiente familiar.
O que podemos afirmar é que as relações
afetivas serão construídas independente da realidade do adolescente com o tipo
mais comum de nanismo, e é essa realidade, como ele lida com ela, que vai
construir as bases do seu desenvolvimento para estabelecer o “equilíbrio” da
fase adulta.
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. A questão do eu e do outro na psicogenética walloniana. Estud. psicol. (Campinas) , Campinas, v. 31, n. 4, p. 595-604, dezembro de 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2014000400013&lng=en&nrm=iso
CERVAN, Mariana Pereira et al . Estudo comparativo do nível de qualidade de vida entre sujeitos acondroplásicos e não-acondroplásicos. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro , v. 57, n. 2, p. 105-111, 2008.
https://www.minhavida.com.br/saude/temas/acondroplasiahttps://nanismoapm.wordpress.com/nanismo/acondroplasia/
https://www.biologiatotal.com.br/blog/acondroplasia-voce-conhece-esta-doenca.html
https://www.tuasaude.com/acondroplasia/
https://universidadedocotidiano.catracalivre.com.br/o-que-e/o-que-e-acondroplasia/
https://www.indicedesaude.com/acondroplasia-causas-sintomas-tratamento-diagnostico/
MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psicologia da educação, São Paulo , n. 20, p. 11-30, jun. 2005.
NOVA ESCOLA. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/264/0-conceito-de-afetividade-de-henri-wallon/. Acesso em: 09 set. 2018.
SALLA, Fernanda. O conceito de afetividade de Henri Wallon.
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